As tentantes e suas perdas não reconhecidas pela sociedade

Anos de Tentativas

Por muitos anos, tentei engravidar e ter um filho. Foram 20 anos tentando. Passei por processos terapêuticos, acupuntura, acompanhamento com nutricionista especialista em fertilidade e fui a diversas consultas com os mais diversos especialistas, mas nenhuma técnica me levava ao positivo. Por fim, já sem opções dentro da medicina para utilizar, parti para a última alternativa: a Fertilização in Vitro (FIV). Mantida pela fé de que tudo aconteceria, no tempo perfeito, o qual ainda não conhecemos qual é, continuei firme crendo que estávamos fazendo nossa parte. Foram três tentativas que duraram um ano e meio. Todas negativas.

A Dor da Ausência

Desde o último negativo, sinto que não sou mais quem eu era. Não é sobre jogar o jogo do contente e fingir que está tudo bem e que a vida seguiu. Perder um amigo tem um peso e uma dor. Perder uma mãe tem outro peso e outra dor. Viver anos da vida ao lado de quem te fez sofrer, tem outra dor. Perder um animal, outra dor. Todas doem, mas de maneiras diferentes e o peso que cada uma traz para sua alma, somente quem viveu pode entender. Não receber um positivo, quando o esperado seria receber uma nova vida, é uma dor diferente, dói pelo que não aconteceu ou que nunca acontecerá. Dói ver as expectativas frustradas daqueles que amamos. Doem os planos que nunca serão executados. Dói o gestar que nunca acontece. É uma dor de ausência, de uma falta nunca antes experimentada. Uma saudade inexplicável de quem nunca conhecemos.

Há dias em que o peso está mais difícil de carregar, porque ficamos dias e dias tentando não transparecer a nossa dor a ninguém para não sermos chatos ou inconvenientes, porque sim, é chato estar ao lado de alguém que sofre. Mas há dias que quando carregamos por muito tempo esse peso, quando tentamos soltar, vem o cansaço, a tristeza, a vontade de desmoronar… e é necessário um tempo para que possamos nos refazer.

A Profundidade da Tristeza

Eu senti a dor e isso é sobre a profundidade dessa tristeza. Mas esse estado em que me encontrava também me ensinava. Pude enxergar minha pequenez diante da vida, minha fragilidade, minha falta de fé, minha falta de controle sobre as coisas… e o mundo não deixaria de girar por eu estar triste. Estava cansada de ser forte, de não poder chorar minha dor para poder manter o ambiente produtivo no trabalho e a todos ao meu redor.

E sim, eu sentia que precisava ser forte, pois transpirava liderança e vivi assim por muitos anos. Meu cargo me tirava o direito de chorar, como qualquer ser humano o faz. Me tirava o direito de tirar meu tempo para me refazer, porque, oras, temos boletos para pagar, temos uma equipe sem saber como agir aguardando comandos, deixa para chorar depois! E sem esse tempo, ficava difícil curar e aceitar as coisas como elas são, pois precisamos nos elaborar sobre o que estamos vivendo.

Dores da Alma

Cada um tem suas lutas e uma não é menos importante que a do outro, apenas estamos em graus de evolução diferentes. Dores da alma doem no corpo também e creio que a maioria já tenha passado por uma dor semelhante.

É um tipo de dor não reconhecida pela sociedade, uma dor que ninguém valida como dor. A maioria a seu redor tenta te animar no sentido de que “ah, na próxima você consegue”, “no tempo certo virá”. De fato, as pessoas não sabem o que dizer, muitas se mantêm em silêncio por não saber o que falar. Mas é um luto. A perda de um sonho, de uma expectativa, de um tempo que se perdeu e não volta mais, de uma esperança ceifada.

O Luto de uma Tentante

A sociedade costuma validar sua dor quando ela envolve coisas concretas como a morte de um ente querido, mas o luto de uma tentante não é comumente validado e, portanto, muitas mulheres são obrigadas a retornarem a seus postos de trabalho, ainda destroçadas emocionalmente, e por fim, não obtêm a compaixão dos que não validam sua perda, considerando-as facilmente superáveis.

Também há as mulheres que sequer reconhecem sua própria dor, sabem que estão tristes pela gravidez não confirmada, mas que não conseguem elaborar seus próprios sentimentos, renegando suas dores e fingindo estar tudo bem, postergando a liberação de um peso que poderá somatizar com o tempo.

Há um certo fracasso da sociedade em reconhecer essa dor como perda e oferecer suporte necessário para lhes garantir o acolhimento necessário. Sem isso, o que sobra é a sensação de não-pertencimento e solidão. A maternidade faz parte do desenvolvimento psicológico da mulher. Nascemos com a possibilidade de gerar, mas não somos obrigadas a gerar. Porém, as que escolhem e não conseguem, ficam à margem do julgamento social, como incapazes.

O Mundo de uma Tentante

O mundo de uma tentante fica inteiramente voltado ao seu processo de gerar e ao seu resultado, da mesma forma que as outras tarefas continuam concorrendo ao mesmo tempo na mesma velocidade: casa para cuidar, trabalho, esposo, família. Não é incomum que as pessoas passem a notar o comportamento diferente dessa mulher, porque suas prioridades estão voltadas a um lugar só dela. Não é incomum até mesmo que os maridos se queixem de certa “ausência ou alienação” das esposas, por isso a importância do amparo psicológico.

Um tratamento longo e frustrante deixa cicatrizes profundas no casal. A incerteza gera adiamento de planos: você deixa de viajar, deixa de trocar de carro, pensa, ao trocar de casa, se terá espaço suficiente. São inúmeros lugares na vida de um casal que são impactados com o movimento na busca de formar uma família.

O Negativo e a Fragilidade Feminina

Quando o negativo acontece, e por questões femininas e não do homem, a mulher fica frágil, abalada, sentindo-se incapaz de cumprir seu papel social de procriar, pois também há o lugar em que se busca aceitação e aprovação da família através da continuidade genealógica, gerando culpa e afastamentos.

Impactos da Infertilidade

Com a extensão do tratamento, há imensos impactos financeiros, pois são tratamentos dispendiosos, muitas vezes chegam a desestruturar patrimônios, a ponto de precisar-se decidir por encerrar as tentativas.

Perder um filho (mesmo um não gerado) é como perder seus sonhos, expectativas e também uma parte de seu futuro. São consequências que afetam todas as esferas da vida.

Adoção como Alternativa

Há quem diga: “Mas por que não adotam, ao invés de gastar tudo isso?”, mas sabe-se que o processo de adoção não é tão simples e rápido. As filas são imensas e demoradas, levando anos para que o casal consiga realizar seu sonho. Mas sim, ainda é uma via linda para se realizar o sonho da maternidade e um canal de amor imenso para os casais que conseguirem se habilitar e para optar pela adoção.

A Importância do Processo Terapêutico

O processo terapêutico é fundamental nesse período. Em especial, no meu caso, foi um divisor de águas. É um processo de olhar para dentro de si e encontrar seu próprio valor, encontrar sentido de vida, propósito de existência, algo intrínseco ao ser humano e fazer-se a seguinte pergunta: Quem sou eu fora desse contexto de maternidade? Quem sou eu quando não estou sendo mãe e nem tentando ser? Qual contribuição tenho deixado ao mundo com meu trabalho? Que conexões tenho criado que ajudam a mim mesma e o próximo a evoluir? Quais outros sonhos estou deixando de lado em função de apenas um?

Quando refletimos a essas perguntas, não como consolo, mas como verdades de vida, encontramos motivação para seguir, olhando para nós mesmas como seres perfeitos e saudáveis, com uma capacidade incrível de gerar vida de outras formas e preencher poderosamente nossos dias, mantendo nossa fé.

Vivendo Nossos Ciclos

Que possamos viver nossos ciclos, nossos dias ruins, festejar os dias bons, nos alegrar com as conquistas dos que amamos. Afinal, todos os dias conquistamos vida, de formas diferentes dos demais, mas sim, o fluxo divino nunca cessará àquele que acredita. Que sejamos acolhidas e respeitadas em nossa dor, em nossos ciclos. Saiba que nunca teremos respostas para todos os nossos questionamentos, mas soltar o controle de querer tê-las, isso sim, é libertador.

Te desejo acolhimento e vida, em abundância! Boas energias!

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Bárbara Rodrigues

Formada em Ciências Contábeis, com curso de extensão em Teologia, administradora de empresas e apaixonada por palavras. Autora do blog Opinativa, onde compartilho minhas opiniões, reflexões e ideias para inspirar. Quando não estou escrevendo, estou mergulhada em um bom livro, cuidando dos meus animais de estimação ou estudando para buscar novos conhecimentos. Gosto de transformar pensamentos em palavras que tocam o coração. Acredito na magia dos pequenos momentos.
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Formada em Ciências Contábeis, com curso de extensão em Teologia, administradora de empresas e apaixonada por palavras. Autora do blog Opinativa, onde compartilho minhas opiniões, reflexões e ideias para inspirar. Quando não estou escrevendo, estou mergulhada em um bom livro, cuidando dos meus animais de estimação ou estudando para buscar novos conhecimentos. Gosto de transformar pensamentos em palavras que tocam o coração. Acredito na magia dos pequenos momentos.

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