E aí, já bateu sua meta?
Estou em um coworking, dividindo o ambiente de trabalho com dois homens de ramos de negócios totalmente distintos. O homem à esquerda resiste às mudanças tecnológicas e sofre com isso. Ele parece extremamente ansioso e demonstra um grande nervosismo, perceptível a cada ligação que encerra. Trabalha como corretor de imóveis internacionais, vendendo casas e terrenos, pelo que parece, a investidores brasileiros nos Estados Unidos. Não fala inglês, não sabe usar o aplicativo de mensagem interno de sua empresa e culpa a secretária pela lentidão na apresentação de propostas, projetando nela toda a frustração por seus negócios não concretizados. E, caçoa dela, fala com outro corretor ao telefone, em um tom profundamente incômodo e machista.
Já o homem à direita passou o dia todo prospectando novos clientes. Ele é representante de uma indústria de embalagens e divide o tempo entre mediar problemas com os clientes e lidar com a esposa, que cobrava sua presença em casa. Visivelmente envergonhado, respirava fundo e olhava para fora, angustiado entre uma ligação e outra, numa sexta-feira de fim de mês em que provavelmente não bateu sua meta. Dividia-se entre resolver assuntos pessoais e garantir o salário do mês. Devido à falta de privacidade do lugar, praticamente temos que conviver com as demandas dos outros que usam o espaço.
Ele, o homem à direita, estava sobrecarregado. Tinha pendências com o contador na realização de seu imposto de renda, cujo prazo se encerraria à meia-noite daquele dia. Aparentava estar em conflito no casamento pelo modo seco com o qual falava com a esposa, e tinha que lidar com clientes impacientes que cobravam pelo prazo extrapolado de entrega pela fábrica e outros que estavam devolvendo o pedido por ter sido entregue em desacordo.
Eu já estive nesse lugar… É assim mesmo: você se divide entre a pressão de ter que fazer seu próprio salário, as metas a serem alcançadas, os “sapos” que precisa engolir em sua cadeia hierárquica, e a pressão da família… É muita energia empregada e fica difícil chegar inteiro no final do mês. Imagine se sobra espaço para pensar em sonhos de vida…
Para o primeiro homem ao meu lado, a idade já chegou e, junto disso tudo, mesmo estando em um cargo de poder, não tem o poder que gostaria, sente-se frustrado e eu podia sentir em seu respirar. Ele, em sua idade, nitidamente gostaria de estar em casa assistindo futebol, pescando ou discutindo política com os amigos em um bar qualquer.
Sabe o que eu vejo nisso tudo? Pessoas apenas passando pela vida, sem propósito, com o objetivo de sobrevivência ou de poder, mas nada além, incapazes de olhar para si mesmos, de ter coragem para viver um sonho… Esses sonhos ficam no inconsciente do cochilo de domingo à tarde, depois de terem estado nos almoços de família – aqueles que mais estressam do que acalentam a alma, mas que por terem se tornado hábitos, não conseguimos evitá-los. E assim, a insatisfação predomina, para esses dois homens e para muitos outros a quem vejo a vida passar… E vejo muita coisa… e sinto… mas também escrevo, documento, registro, relato… é isso que me permite realizar meu sonho de me tornar uma escritora. Sigo a caminho.